Em julho de 1944, representantes de 44 países se reuniram em um hotel
em Bretton Woods, New Hampshire, Estados Unidos, para criar um novo
modelo de relações comerciais e financeiras entre os principais países
do mundo. Setenta anos depois, os países emergentes se cansaram de
esperar uma mudança de regime das instituições financeiras
internacionais que saíram daquela reunião e deram um passo à frente para
mudar a ordem existente, e agora reivindicam seu novo papel na economia
mundial.
Os presidentes de
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (que formam o acrônimo BRICS)
assinam nesta terça-feira em Fortaleza, Brasil, a constituição de um
banco de desenvolvimento, com um aporte inicial de 50 bilhões de dólares
(cerca de 110 bilhões de reais) para formar o capital do banco e 100
bilhões (220 bilhões em reais) de capacidade de empréstimo, e um fundo
de reservas de outros 100 bilhões para ajudar os países do grupo no caso
de uma possível crise de liquidez, como as vividas em alguns países
europeus durante a crise financeira. São 200 bilhões de dólares (moeda
que será utilizada nas transações das duas organizações) para determinar
o valor do grupo e dar uma demonstração de sua força econômica.
“A conclusão dessas duas iniciativas passará uma mensagem forte sobre
a vontade dos BRICS de aprofundar e reforçar sua associação econômica e
financeira”, destacou para a imprensa na semana passada o embaixador
brasileiro José Alfredo Graça Lima. “As duas instituições financeiras
criadas funcionarão de forma similar ao
Banco Mundial (BM) e ao
Fundo Monetário Internacional
(FMI)”, afirmou. Sem dúvida, a criação do banco é um passo decisivo
para a consolidação do grupo. “É importante que as maiores economias
emergentes tenham sido capazes de colocar em funcionamento um projeto
assim, do contrário sua credibilidade como grupo seria questionada. É um
primeiro passo evidente, mas agora precisam passar para a ação”, afirma
Jim O’Neill, o inventor do termo BRIC há 13 anos, quando era
economista-chefe da Goldman Sachs, e atualmente pesquisador no
think tank Bruegel.
A iniciativa levanta dúvidas quanto a seu alcance e sobre quão efetiva ou ineficiente será a coordenação do grupo. Sua criação
demorou quase dois anos devido a divergências internas,
que finalmente foram resolvidas com uma participação em partes iguais
no capital, apesar da intenção inicial de que a China fosse sócia
majoritária, e com a sede da entidade em Xangai. “A verdadeira questão é
para que esses países realmente querem um novo banco e o que querem
apoiar com ele. Não se sabe se é um mecanismo a ser explorado no sentido
de assumir uma maior responsabilidade global, algo mais fácil do que
conseguir mais representação no FMI ou no BM, ou se querem financiar
conjuntamente projetos de infraestrutura nos países do grupo”, aponta
O’Neill. “Não estou certo, só o tempo dirá.”
É um primeiro passo evidente, mas agora precisam passar para a ação”, afirma Jim O’Neill, o inventor do termo BRIC
Em 2010, o FMI aprovou uma reforma de suas cotas para dar mais peso
às potências emergentes no órgão, sobretudo a China. Mas a reforma está
emperrada no embate entre democratas e republicanos no Congresso dos
Estados Unidos e, a essas alturas, a iniciativa se tornou até obsoleta.
“É realmente ridículo e decepcionante que o Congresso norte-americano
não tenha aprovado a mudança das cotas. Na verdade, o peso dado na época
a alguns países emergentes ficou velho e é cada vez mais evidente que a
governança global atual está muito longe de ser boa”, admite O’Neill.
Até agora os BRICS não se destacaram por uma grande capacidade de
coordenação no cenário internacional, apesar de sua constituição oficial
como grupo em 2009 em plena crise financeira, ainda que o protagonismo
na época tenha se concentrado no G-20, agora também em declínio. “A
intenção é que o banco dos BRICS se torne, com o tempo, uma alternativa
ao Banco Mundial e ao FMI e que seja um novo jogador entre as
instituições financeiras globais. É um objetivo ambicioso, que exigirá
um grau de coordenação e harmonia que nem sempre vimos nesse grupo”,
acrescenta de Nova Délhi Vivek Dehejia, professor de Economia da
Universidade de Carleton, do Canadá.
Em vários artigos, Nicholas Stern, presidente do
Grantham Research Institute da London School of Economics
e da Academia Britânica, defendeu, ao lado do prêmio Nobel Joseph
Stiglitz, a necessidade de um novo banco de desenvolvimento que dê
respostas às necessidades urgentes dos países emergentes em termos de
infraestrutura. Lord Stern afirma que o gasto com infraestrutura nesses
países deve aumentar dos 800 bilhões de dólares atuais (mais de 1,7
trilhão de reais) para pelo menos 2 trilhões (4,4 trilhões de reais) na
próxima década.
Por hora, a importância é mais por seu simbolismo geopolítico, de que
os BRICS são algo mais do que um acrônimo, diz o economista Vivek
Dehejia
“Do contrário, será impossível conseguir uma redução da pobreza e um
crescimento inclusivo no longo prazo”, defende Stern em sua análise. As
salvaguardas impostas pelo Banco e pelo Fundo em seu funcionamento,
assim como as duras condições associadas a seus empréstimos, deram
eficiência ao financiamento vindo desses organismos, mas não será fácil
colocar em marcha um modelo de funcionamento do zero, e os desembolsos,
para Dehejia, ainda vão demorar para acontecer. “Por hora, a importância
é mais por seu simbolismo geopolítico, de que os BRICS são algo mais do
que um acrônimo. Representa uma promessa, mas teremos de se esperar
para ver como se concretiza”, acrescenta o economista indiano.
Fonte:
El Pais