A aposentadoria deve e pode ser planejada ao longo do ciclo de vida financeira
Masakazu Hoji (*)
1. Introdução
O mundo dos aposentados está dividido em dois: o dos servidores públicos e o dos trabalhadores do setor privado.
Os
trabalhadores do setor público beneficiados pelo regime previdenciário
do Estatuto do Servidor Público, ao se aposentarem, continuam recebendo o
mesmo vencimento que recebiam enquanto na ativa. Com isso, terão um
futuro financeiro tranquilo.
Empregados
de empresas do setor privado ou de economia mista, que contribuem para
fundos de previdência fechada (fundos de pensão), também podem gozar dos
benefícios de uma aposentadoria tranquila do ponto de vista financeiro.
A
mesma sorte não tem a maioria dos trabalhadores do setor privado (sorte
ou planejamento de vida?), que, ao se aposentar pelo INSS (Instituto
Nacional de Seguro Social), recebe benefícios médios entre R$ 2,5 mil a
R$ 4 mil, dependendo da idade e tempo de contribuição (em 2013, o teto
de contribuição é de R$ 4.159). Como existe o desconto do fator
previdenciário aplicado para quem tem menos de 65 anos ao aposentar, a
maioria das pessoas não consegue receber benefício pelo teto máximo de
contribuição.
Pelas
regras atuais da previdência social, exceto em alguns casos especiais, o
homem que contribuiu por 35 anos ou a mulher que contribuiu por 30 anos
pode solicitar a aposentadoria integral (sujeita à redução do valor de
benefício com a aplicação do fator previdenciário). Para solicitar a
aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, o homem precisa
ter idade mínima de 53 anos e a mulher, 48.
A
cultura previdenciária não está muito evoluída no Brasil, em parte, por
culpa das altas taxas de inflação com que convivemos até os meados da
década de 1990. Entretanto, o aumento da longevidade da população
brasileira exige que a ideia de planejamento financeiro de longo prazo,
que nos remete ao conceito de planejamento previdenciário, seja cada vez mais divulgada e adotada por jovens.
Por
que devemos pensar em coisas que vão ocorrer daqui a 30 ou 40 anos? É
possível planejar eventos tão longínquos? E, como fazer isso? Como
calcular os valores ideais de benefícios de aposentadoria? Como acumular
o patrimônio? Por falta de cultura de planejamento financeiro de longo
prazo e de cultura previdenciária, muitos não sabem como responder a
essas indagações, pois esses conceitos não são ensinados em escolas.
Alguns pensam que, ao contribuir para a previdência social, sua velhice
estará garantida. Outros adquirem plano de previdência complementar em
instituição financeira com contribuição mensal de valor irrisório,
imaginando que receberá um polpudo benefício ao se aposentar.
Neste
artigo, pretendemos dar uma pequena contribuição para compreender, sob o
aspecto financeiro, as fases e os procedimentos de planejamento
previdenciário.
2. Sistema previdenciário
No
Brasil, o sistema previdenciário dos trabalhadores que não se enquadram
como servidores públicos estatutários está organizado sob o tripé
formado por seguintes instituições:
1) previdência social;
2) previdência complementar fechada; e
3) previdência complementar aberta.
A previdência social é
mantida pelo Governo Federal. A contribuição para a previdência social é
compulsória para trabalhadores com vínculo de emprego formal, mas podem
contribuir também pessoas de outras classes, tais como os empregadores,
trabalhadores autônomos, empregados domésticos, trabalhadores avulsos,
donas de casa, desempregados, estudantes etc.
No
sistema previdenciário social, as contribuições têm efeito
distributivo, isto é, não formam uma poupança individual, e as
contribuições dos trabalhadores ativos são utilizados para formar a
massa de contribuições para pagamento de benefícios dos aposentados. O
valor do benefício, bem como o valor das contribuições, são determinados
dentro de uma faixa de valores. Existe, portanto, um teto máximo para o
benefício.
Inserido
no Sistema Financeiro Nacional, o Sistema de Previdência Complementar é
normatizado pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP)
e Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC). É
supervisionado, respectivamente, pela Superintendência de Seguros
Privados (Susep) e Secretaria de Previdência Complementar (SPC), e
operado pelas instituições do mercado (ver quadro abaixo). O CNSP e a
Susep são responsáveis também pelo mercado de seguros e resseguros.
Entidades do mercado de seguros e previdência complementar.
Orgãos normativos
|
Entidades supervisoras
|
Operadores
|
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Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP)
|
Superintendência de Seguros Privados (Susep)
|
Ressegura-dores
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Sociedades seguradoras
|
Sociedades de capitalização
|
Entidades abertas de previdência complementar
|
|
Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC)
|
Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC)
|
Entidades fechadas de previdência complementar
|
||||
(fundos de pensão)
|
A previdência complementar fechada
é patrocinada sem finalidade lucrativa por empresas a seus empregados e
pelas associações de classe a seus associados, com participação
voluntária. As contribuições são caracterizadas pelo regime de
capitalização e são individualizadas, formando o patrimônio individual
do participante.
Os
planos de benefícios podem se dar na forma de benefício definido ou
contribuição definida. No primeiro caso, o benefício complementar é
determinado no momento da adesão e, no segundo caso, o benefício
complementar é determinado no momento de sua concessão com base no saldo
acumulado durante o período de contribuição.
A previdência complementar aberta
é administrada por instituições financeiras que cobram taxa de
administração. As contribuições são caracterizadas pelo regime de
capitalização e são individualizadas, formando o patrimônio individual
do participante.
Geralmente,
os planos de benefícios são na forma de contribuição definida, isto é, a
contribuição é determinada com base em previsão de benefício futuro.
3. Fontes da renda de aposentadoria
A
maioria das pessoas contribui para a previdência social, mas não possui
a previdência privada complementar. O indivíduo deve possuir outras
fontes de renda além da previdência social, pois somente esta pode não
ser suficiente para suprir suas necessidades básicas no futuro.
A
renda mensal de aposentadoria pode ser gerada pela previdência social,
fundo de pensão, previdência privada aberta, aluguel, dividendo, lucro,
juro, ações; enfim, por qualquer uma das fontes citadas ou outras fontes
de recursos.
É
importante o indivíduo estar inscrito e contribuir para a previdência
social (INSS). Igualmente, é importante o indivíduo possuir plano de
previdência complementar; é importante possuir outras fontes de renda.
Enfim, para ter segurança no futuro, é preciso diversificar.
Alguns
empresários continuam trabalhando mesmo em idade avançada, muitos por
gostarem das atividades que executam. Daí, continuam tirando a renda.
Mas, para a maioria dos indivíduos, é importante ter a previdência
social e a previdência complementar, pois nem todos terão disposição e
fôlego para continuar trabalhando em idade avançada, sem mencionar que
existirá a natural dificuldade de conseguir trabalho a cada avanço da
idade.
4. Quando e com que patrimônio acumulado aposentar-se
O
planejamento financeiro de longo prazo nos remete ao conceito de
planejamento previdenciário. Sem um adequado plano de previdência, não
há como ter uma aposentadoria digna. A falta de cultura previdenciária
não é uma característica somente dos brasileiros. Isso ocorre no mundo
todo, na maioria dos países em desenvolvimento, ou mesmo, em países
desenvolvidos.
O
planejamento previdenciário não deve ser deixado para os últimos anos
que antecedem a aposentadoria. Deve iniciar-se em tenra idade, pois a
população brasileira está vivendo cada vez mais, o que implica
necessidade de poupar cada vez mais. Segundo os estudos divulgados pelo
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de
vida dos brasileiros que nasceram em 2013 é de 74,8 anos (74 anos, 9
meses e 18 dias), sendo 71,3 anos para homens e 78,5 anos para mulheres.
De
acordo com a tabela de sobrevida utilizada pelo Ministério da
Previdência Social para concessão de benefícios de aposentadoria, o
brasileiro com 65 anos de idade que aposentar-se em 2013, terá uma
sobrevida de 17,6 anos, ou seja, deverá viver até completar 82,6 anos.
A
idade ideal para aposentar-se será quando você tiver um patrimônio
acumulado que produza renda suficiente para manter o padrão de vida de
antes da aposentadoria. Se você tiver acumulado um patrimônio suficiente
com idade de 50 anos, poderá aposentar-se nessa idade. Porém, se, aos
65 anos, ainda não tiver acumulado um patrimônio suficiente, terá que
adiar a aposentadoria por mais alguns anos, para evitar problemas
financeiros no futuro, caso pretenda manter o mesmo padrão de vida de
antes da aposentadoria.
Qual
é o valor do patrimônio que você precisaria ter para aposentar-se? A
renda necessária para viver durante o período de aposentadoria é
estimado em torno de 3/4 (75%) da renda obtida às vésperas da
aposentadoria. Essa redução justifica-se, pois nessa idade, já não
existem gastos com os filhos, com a compra de imóvel etc. Mas, atenção!
Aumentam os gastos com remédios e planos de saúde.
Se,
por exemplo, a renda mensal antes da aposentadoria era de R$ 10 mil, o
aposentado precisará de cerca de R$ 7.500 durante o período de
aposentadoria. Considerando que uma parte da renda será paga pelo
sistema de previdência social, o patrimônio acumulado deverá gerar uma
renda para completar o restante. Aqui, estamos falando de “renda
líquida”, ou seja, aquele valor que podemos dispor para pagar as contas.
Aposentando-se
aos 55 anos de idade, com 35 anos de contribuição à previdência social
pelo teto máximo, o segurado receberá um benefício mensal de cerca de R$
2,6 mil, em valor de 2013, abatido do fator previdenciário calculado em
função do tempo de contribuição, a idade e a expectativa de sobrevida
(estima-se que essa pesssoa com 55 anos de idade viva até 80,1 anos).
Por
exemplo, para obter uma renda mensal de R$ 7.500, aposentando-se nas
condições descritas, o indivíduo vai necessitar de renda complementar no
valor de R$ 4.900, como segue:
(a) Renda mensal necessária: R$ 7.500
(b) Renda mensal de aposentadoria oficial: R$ 2.600
(a - b) Renda mensal complementar: R$ 4.900
A
renda líquida complementar de R$ 4.900 por mês deve ser gerado por
patrimônio acumulado, que pode ser representado por fundo de pensão,
fundo de previdência privada aberta, imóveis de aluguel, negócios
próprios, carteira de ações e aplicações financeiras em geral.
5. Formas de receber a renda mensal complementar
A renda mensal complementar pode ser recebida de duas formas:
a) renda perpétua;
b) renda por tempo determinado.
No
caso de possuir previdência privada, o beneficiário pode optar por
resgatar o capital acumulado de uma só vez ou na forma de renda
vitalícia (renda perpétua). Na renda vitalícia, o beneficiário recebe um
valor fixo por mês, determinado de acordo com as condições do plano
contratadas, ou seja, o capital acumulado deixa de ser seu e transfere o
risco de viver para a seguradora. Desde que esteja previsto em
contrato, a renda pode ser transferida para o cônjuge em caso de seu
falecimento.
Renda perpétua
Pelo
conceito de renda perpétua, o patrimônio (o capital) nunca será
consumido, gerando a renda permanentemente, de forma vitalícia. Vamos
considerar uma taxa de juro real de 2% ao ano (taxa de juros equivalente
a 0,165158% ao mês), de perfil conservador/moderado, no nosso exemplo.
Aplicando
a fórmula do "valor presente da perpetuidade", pode ser calculado o
patrimônio (capital) que o futuro aposentado precisaria possuir no
início do período de aposentadoria para receber a renda mensal de R$
4.900.
O cálculo de perpetuidade é bastante simples. A equação é a seguinte:
Valor presente da perpetuidade =
|
Valor dos juros
|
Taxa de juros
|
Aplicando a equação, temos:
Valor presente da perpetuidade = |
4.900
|
= 2.966.856
|
0,00165158
|
Logo,
o indivíduo precisará possuir um patrimônio de R$ 2.966.856 no início
do período de aposentadoria para gerar uma renda mensal complementar de
R$ 4.900, à taxa de juro real de 2% ao ano (0,165158% ao mês) por prazo
indeterminado, isto é, permanentemente. Nesse caso, o patrimônio deve
ficar investido em ativos que sejam corrigidos pela inflação. Ao falecer
(infelizmente, um dia isso ocorrerá com todo mundo), o aposentado
poderá deixar uma herança no valor de R$ 2.966.856.
Renda por prazo determinado
Se
você não tem necessidade de deixar um legado aos herdeiros, seja por
que não queira, seja pela desnecessidade por que os filhos conseguiram
um bom padrão de vida, ou porque não tenha capacidade de investimento
suficiente, pode pensar em “consumir” o patrimônio (capital) durante o
período de aposentadoria. Nesse caso, o valor do patrimônio acumulado no
início do período de aposentadoria poderia ser menor, pois enquanto se
consome parte desse patrimônio, o saldo existente gerará renda (juro). O
único problema é adivinhar quantos anos mais você viverá. Por exemplo,
se estimar que viverá até 90 anos e ultrapassar essa idade, terá
consumido todo o patrimônio e não terá mais rendimento. Por outro lado,
poderá viver menos do que o estimado e, nesse caso, sobrará um saldo do
patrimônio (parte não consumida).
Suponha
que, no momento da aposentadoria, a expectativa de vida média do
brasileiro seja de 83 anos. Colocar uma margem de segurança em seu caso
particular poderia ser razoável. Assim, assuma que a “sua expectativa de
vida” seja de 95 anos. Essa estimativa pode ser refinada levando em
consideração as condições de saúde no momento da aposentadoria, pois uma
pessoa saudável que pratica atividades físicas regularmente tem chances
de atingir uma idade mais avançada do que outra que não apresenta boas
condições de saúde.
Podemos
calcular, então, a renda mensal por prazo determinado nas mesmas
condições da renda mensal vitalícia, isto é, para aposentar-se aos 55
anos, recebendo a renda mensal complementar de R$ 4.900 até a idade de
90 anos (durante 35 anos), o patrimônio necessário no momento da
aposentadoria seria de R$ 1.483.345 (em vez de R$ 2.966.856). Nessas
condições, após 90 anos de idade, o aposentado não possuirá mais
patrimônio, pois o terá “consumido” integralmente. Esse valor pode ser
calculado por meio de uma calculadora financeria, com os seguintes
dados:
Valor do benefício (PMT): R$ 4.900 por mês
Número de prestações (N): 420 prestações mensais
Taxa de juros (i): 0,165158% ao mês (equivalente a 2% ao ano)
Capital necessário (VP): ?? => R$ 1.483.345
6. Considerações finais
O
brasileiro está vivendo cada vez mais. A expectativa de vida dos
brasileiros nascidos em 2013 é de 74,8 anos. O estudo do IBGE divulgado
em 2013 indica que o País terá 5 milhões de idosos com idade de 90 anos
ou mais em 2060, atingindo a expectativa de vida média de 81,2 anos (78
anos para homens e 84,4 anos para mulheres).
Com
essa perspectiva, o planejamento previdenciário torna-se muito
importante e os jovens devem começar a se preocupar em acumular a
poupança necessária para viver com conforto no futuro.
Para saber como proceder durante o período de acumulação de patrimônio, veja a seguinte matéria: Como e quanto poupar para complementar a aposentadoria.
(*) Masakazu Hoji é professor universitário, palestrante e autor de livros de Finanças.
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